Se a Babette convidasse uma personagem de um livro ou de um filme para jantar, essa personagem seria, naturalmente, Babette!... A Babette do conto de Karen Blixen, ou a do filme de Gabriel Axel, que ganhou, em 1987, o Óscar para o melhor filme estrangeiro.
Babette (no filme, Stéphane Audran), a personagem central desta história, refugia-se da guerra que assola a França, na casa de duas irmãs recatadas e solteiras, Martina e Philippa, filhas do então falecido Pastor, uma pessoa tão importante quanto austera e que marcou a vida de muitos dos seus habitantes. A vida nessa vila recôndita da Dinamarca é muito regrada e inóspita, confinada a meia dúzia de habitantes de provecta idade que mantêm entre si e há muitas décadas acesas divergências. Babette recebe guarida das duas irmãs e, em troca, oferece-se para tratar da limpeza e da cozinha da casa. Os hábitos culinários dos habitantes da vila são escassos e parcos. Dir-se-ia considerarem pecado obter prazer pelo acto de comer. Os dotes culinários de Babette não parecem ser suficientes para alterar a alimentação insípida que caracteriza a rotina dos habitantes, ainda que vá conseguindo imprimir pequenas diferenças. Até que um facto inesperado (soube, de França, que havia ganho um prémio na Lotaria) lhe permite oferecer um jantar às duas irmãs e aos restantes habitantes da vila, a propósito das comemorações pelos 100 anos sobre o nascimento do Pastor, e em reconhecimento do acolhimento que recebeu. Tudo, a partir daí, se transforma. Pela maestria com que é preparado o jantar e pelo requinte com que é servido. Pela eloquência dos detalhes e a riqueza dos sabores que são dados a provar. Só aí é revelada (ou melhor, "reconhecida") a verdadeira Babette. Os rostos dos convidados são suavizados, as divergências resolvidas, o pecado da gula perdoado. Cenas belíssimas e cheias de sensibilidade à volta de uma mesa.
Pensei receber a Babette no momento em que ela estaria a enquadrar-se naquela nova vida. Desinteressante pelas rotinas e pelos sabores que estava autorizada a preparar. Mas com a inata vontade de introduzir cor, textura e sabor aos poucos pratos que ia preparando. Para a receber de forma reconfortante, uma sopa. Que é um abraço em forma de comida. E uma sopa que ela pudesse, timidamente, ir introduzindo nas refeições que preparava às duas irmãs. Por certo as duas senhoras não iriam recusar um creme de aipo. Que ela abrilhantaria com umas lascas de queijo das Ilhas, uns pinhões tostados e uma generosa dose de salsa picada.
Fui buscar um prato de sopa da casa da minha bisavó, porque sei que a Babette apreciaria o gesto. Que por ela se deve celebrar a vida e o quotidiano, com o que temos de bom, bonito e saboroso. Está servida a sopa, Babette. Fumegante à tua espera...
Creme de Aipo com Queijo das Ilhas e Pinhões Tostados, para participar no desafio da Ana.
Ingredientes
3 cenouras (usei biológicas)
1 batata grande2 cebolas grandes
1 couve pequena
1 nabo pequeno
3 talos de aipo e a respectiva rama (usei biológicos)cerca de 1 litro de caldo de legumes
sal, azeite q.b.
Pinhões
Salsa picada
Preparação
Cortar todos os legumes finamente, cobrir com o caldo de legumes (o necessário para cobrir todos os legumes) e levar a ferver, reduzindo depois o lume e deixando cozinhar por cerca de 40 minutos. Reduzir a puré com a varinha mágica. Rectificar o sal, se necessário, e adicionar um fio de azeite. Numa frigideira quente, tostar uma mão cheia de pinhões e reservar. Lascar umas fatias de queijo das Ilhas. Servir a sopa bem quente, com o queijo e os pinhões tostados. Polvilhar, generosamente, com salsa picada.
Bom Apetite!
21 comentários:
Olá Babette
É desta que vou pegar no livro e ver o filme. Não que antes não tivesse essa curiosidade, mas agora ficou mais aguçado.
Quanto à sopa, eu sou uma mulher de sopas, e esta está tão apetecível que já fiz uma verificação mental ao frigorífico e despensa lá de casa a ver se constam todos os ingredientes :)
Boa semana!
Olá Babette
Eu apenas vi o filme e achei-o absolutamente delicioso, toda a história é fabulosa e os pormenores retratados no jantar, as reacções progressivas dos convidados perante todo aquele requinte são divinais!
Esse creme de aipo está com um aspecto maravilhoso com os pinhões tostados e o queijo por cima! De certeza que a Babette iria apreciar e muito:)
Babette, sou doida pra ver esse filme!!!! Não sei como deixei passar tanto tempo sem assisti-lo! Seu prato ficou lindo e charmoso, como sempre! Um beijão!
Bela escolha, quer do personagem, quer da sopa, que ficou com um ar bem requintado.
Babette,
Olha, penso que nem preciso agradecer a tua participação. Assim que li os vossos comentários ao desafio, comecei imediatamente a pensar quem seriam os vossos convidados . Foi com enorme prazer que li o teu post, e a forma tão carinhosa e cuidada como descreves a tua convidade, a tua mesa e a sopa que me deixou a sonhar. (E eu que usei mesmo agora o aipo que tinha em casa...)
Até agora ainda só temos convidadas, todas mulheres!
O viking e eu temos andado a pensar em quem gostariamos de ter à mesa e vou tentar ainda ver se convido outra personagem este mês.
bjs e boa semana.
Babette,
Não cheguei a ver o filme, mas agora fico com curiosidade. Gostando de comida como gosto, todos os filmes e livros que passem por este tema deixam-me extasiada.
A sopa está muito rica, impossível não gostar.
Beijinhos
Babette,
Uma sugestão aparentemente simples mas muito requintada!
Que nem babette em tempos de austeridade ;-)
Adorei o filme. E imagino que a Babette tenha adorado o conforto dessa sopa.
Eu acho que ela ia gostar! ;)
Excelente ideia, oferecer um jantar a Babette! A sopa e o prato que a serve são mesmo um "abraço".
Só um reparo, que me é especialmente caro porque sou da ilha Terceira, dos Açores, deve dizer-se queijo da Ilha e não das Ilhas, porque ele é originário da ilha da São Jorge.
Parabéns pela "Festa de Babette"!
Sílvia Alexandra
Olá! Babette,
Posso fazer-me de convidada? É que adoro sopa (apesar de não ter nenhuma receita no blog, porque as faço sempre a olho!) e esta parece mesmo ao meu gosto!
Beijos
Teresa
Que delicadeza de post! A sopa realmente é uma forma de abraço. :)
Adorei o blog!
Abraço,
Priscila Ferreira.
www.podeserpradois.blogspot.com
A primeira coisa que me veio de ti: a referência. Um nome que não conhecia. Com isso, um filme. E um universo novo de referências. Quando escreveste o primeiro comentário no meu blog e depois da primeira visita à tua Festa, ir ver de onde viria o nome.
Eu acho que o que me ficou mais daquela personagem foi o ser uma dádiva extraordinária nas vidas das outras personagens. Nas irmãs e nas abdicações de cada uma delas. No amor não consumado. Nas desavenças e tensões que havia. No dissipar de tudo isso numa circunstância irrepetível: a de um jantar. Que foi por si uma dádiva. Porque ela escolheu dar tudo o que tinha. Colocar tudo o que era. Naquele jantar. Sem esperar retorno. Sem esperar compensação de nenhuma espécie. Exactamente por saber que, gasto aquele pecúnio inesperado, ficaria sem nada. Uma nobreza só, aquela mulher. Creio ser essa uma das manifestações mais fortes e indeléveis da nobreza. Dar-(se) sem interesse. Sem estar à espera de nada. Uma coisa só acessível a espíritos maiores. E inteiros. Espíritos assim como o teu.
Fizeste bem em convidá-la para jantar. Não poderia ser outra, a tua convidada do universo literário. E haver uma sopa assim. À nossa espera num lugar qualquer. Uma coisa que torna melhor a vida. Uma sopa.
Um beijo com carinho, minha Babette.
Mar
Parabéns, Babette, pela tua participação neste desafio. Uma convidada de grande categoria pela força interior que revela e o espírito de doação aos outros. Uma Sopa que mesmo virtual parece que rescende, tais os aromas dos ingredientes usados!
gostei muito e ainda mais, por ter podido deixar-te um comentário pela primeira vez. Obrigada por teres mudado o sistema! Bjs. Bombom
Tinha de ser a Babette :) Imagino as conversas deliciosas que teriam as duas, à volta dessa sopa:)
Também ando a magicar o meu jantar, com uma personagem da nossa literatura :)
Beijo para si e para os seus meninos
Ilídia
muito bem!
e apetece dize: habemus babette...
Descobri o teu blog por indicação de uma amiga minha e devo admitir que estou completamente rendida a ele, bem se calhar também a ti, que és a criadora! tem posts fantásticos, elegantemente editados, e tenho cá para mim que nos vamos dar muito bem (afinal os interesses em comum são muuuiiiiitos!!!!). desde já tens seguidora! Votos de muitos e continuados sucessos e de grandes inspirações! Se quiseres passar lá por casa http://cottoncandy-peaches.blogspot.com/ terei muito gosto em te receber. Eu volto - mesmo que não me convides!
beijinhos
Realmente Babette a convidar alguma personagem, essa teria que ser indubitavelmente Babette.
E acredito sinceramente que ambas as Babettes aprenderiam bastante com a uma com a outra.
A conversa durante a refeição passaria certamente por truques culinários e experiências acumuladas na cozinha, mas talvez por outros domínios também.
O prato escolhido para apresentar a sopa é muito bonito e como descrito remonta a uma altura mais próxima daquele em que viveu a primeira Babette, o que a faria sentir-se ainda mais acolhida pelo pormenor.
Quanto à sopa propriamente dita tem óptimo aspecto, e acho que como me sinto seria mesmo de uma sopa que eu precisava para melhorar desta insistente, prolongada e irritante constipação... pena que eu tenda a torcer o nariz sempre às sopas... caso contrário a esta altura talvez estivesse bem melhor (desculpa esta parte do desabafo).
Beijinhos sempre sentidos e um óptimo fim-de-semana
Guida:
Vai gostar de certeza absoluta do conto e do filme. Já a sopa será certamente reconfortante nos dias frios que estão para vir.
Alice:
Impossível não gostar deste filme, não é?
Katia:
Tem mesmo de ver!
Moira:
Obrigada. Ficou uma sopa bem saborosa!
Ana:
Foi um gosto. Lançaste bem o isco ;)
Carla:
Um consolo de sopa!
Anónimos, Diana, Margarida e Priscila:
Muito obrigada pela simpatia.
Alexandra:
Seja, então, o "seu" queijo da Ilha! Obrigada ;)
Teresa:
Estás certamente convidada ;)
Mar:
Acrescentaste muito ao post. Porque o acto máximo da generosidade da Babette foi ter(-se) dado tudo o que tinha. Para agradecer e agradar sem retribuição. Também te serviria esta sopa ;) Sabes que sim. E todos os outros pratos que ela preparou. Assim os soubesse confeccionar!...
Bombom:
Finalmente um comentário, minha querida! Fico contente!
Ilídia:
Não me poderia esquivar a Babette, pois não? Fico curiosa à espera da sua participação!...
Aida:
Obrigada pelas palavras carinhosas. Já te fui visitar e gostei dos temas variados (e femininos, vá) que abordas. Volta quando quiseres. Há, pelo menos, sempre um prato de sopa!...
Turista:
Esta sopa é tão gulosa que ias gostar. E estivesses tu mais perto, olha que ta ia mesmo levar. Para curares de vez essas maleitas!
Babette
Babette,
Relembraste-me o filme e a tua sopa e texto aquecem o coração.
Mais um bonito post num blog cheio de coisas bonitas.
Bjnhos
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